Ontem, completou-se o centenário de meu voinho, Inácio Ferreira do Carmo. Homem simples, que dedicou a vida aos saberes e valores morais de sua descendência com o afinco daqueles que têm os direitos mais básicos privados.
Num relato tão cheio de sensibilidade e valor histórico para sua descendência, meu tio Gera homenageia de forma concisa, mas emocionante, a trajetória desse guerreiro que nos origina:
Exaltação a um Centenário de Nascimento
Hoje, ao se
completarem os 100 (cem) anos do nascimento de INÁCIO FERREIRA DO
CARMO, registramos que seus 47 descendentes –
entre filhos, netos e bisnetos- alcançaram o terceiro milênio
honrando o seu nome e louvando o seu esforço por propiciar a todos a
oportunidade de vida digna.
O seu nascimento ocorreu no dia 06
de novembro de 1914, numa casa de taipa, em terras da zona canavieira
do Estado de Pernambuco, onde o seu pai JOSÉ FERREIRA DO CARMO –
casado com VICÊNCIA MARIA DA CONCEIÇÃO - trabalhava como
cambiteiro de engenho.
O CENÁRIO
Para aquela e tantas outras crianças
nascidas na primeira quadra do século XX, a realidade era
desoladora: A mortalidade infantil ceifava prematuramente a vida da
maioria dos recém-nascidos; não havia antibiótico; a penicilina só
seria descoberta em 1929 e chegaria ao Brasil em 1940. Aquela
fatídica e cruel realidade determinaria que INÁCIO seria o único
sobrevivente entre 15 irmãos.
Não havia estradas rodoviárias, já
que também não havia automóveis. Os primeiros e raros veículos
importados nos primeiros anos do século só circulavam nas
principais cidades e chegariam a algumas capitais do Nordeste entre
1920 e 1929; Em 1928 seria pavimentada a primeira estrada entre o Rio
de Janeiro e Petrópolis. As rodovias só vieram a prosperar no
Brasil a partir de 1940 e muito mais tardiamente no Nordeste.
Não havia transmissão rádio; a
primeira transmissão viria a ocorrer em 1919; Os Telégrafos - único
meio de comunicação rápida - apenas ligavam algumas capitais.
As comunicações interioranas e o
transporte de cargas eram feitos por tropeiros, almocreves, mascates
ou caixeiros viajantes.
Quatro séculos de descaso com a
educação haviam mantido a esmagadora maioria da população no
analfabetismo, principalmente nas zonas rurais; não havia
perspectivas de ascensão cultural e econômica aos nascidos pobres.
Os patrões tinham interesse na manutenção daquele estado de
ignorância que facilitava o seu domínio num mercado de trabalho sem
leis.
O isolamento cultural condenava as
crianças, logo cedo, a se tornarem miniaturas de adultos e a
aprenderem os seus ofícios, para logo serem continuadoras dos pais
que, por sua vez, já eram continuadores dos avós, no jeito de ser e
de viver.
A MUDANÇA
Seria necessário
contrariar a lógica daquele tempo para alimentar sonhos e encontrar
forças para torná-los realidade. INÁCIO DO CARMO (como ficou
conhecido) teve e alimentou o sonho de quebrar aquela lógica;
encontrou forças ante a negativa, do “senhor de engenho”, em
autoriza-lo a frequentar uma escolinha rural. Diante da afirmativa do
“senhorio” de que “o lugar daquele menino é no eito”. JOSÉ
DO CARMO apoiou o filho, abandonou o trabalho e a moradia, seguiu a
rota dos tropeiros em direção do Estado da Paraíba e conseguiu
acolhimento às margens do Rio Paraibinha na confluência do Rio
Paraíba, Município do Ingá.
Ali, INÁCIO foi
alfabetizado numa escolinha noturna, à luz de lamparina, a despeito
dos seus estafantes afazeres diários. As luzes que se acenderam em
sua mente transformaram-se em farol a iluminar a sua longa caminhada
em busca de melhor futuro para si e para a família que haveria de
estabelecer.
A VIDA
Dedicado
exclusivamente ao trabalho, juntou algumas economias e dedicou-se ao
incipiente comércio local à margem da trilha dos viajantes.
Adquiriu pequena propriedade e investiu na agricultura e pecuária.
Em suas viagens, em busca de produtos, adquiria livros úteis ao seu
aprendizado; em pouco tempo tornou-se o principal intermediário
entre a capital do Estado e as populações diluídas nos minifúndios
ou homiziadas nas fazendas da elite rural.
Pelas suas mãos circulavam os
gêneros alimentícios, os instrumentos de trabalho dos artífices,
os variados tecidos e ainda as vacinas, a penicilina e outros
produtos homeopáticos e farmacêuticos, minimizando as principais
carências locais.
Aos 22 anos casou-se com MARIANA
FRANCISCA DA SILVA, mulher de fibra com quem deixou uma descendência,
a quem dedicariam todo o fruto do seu trabalho; os seus objetivos e
esperança eram de que a nova geração rompesse aquele círculo
vicioso de ignorância e pobreza que estavam a superar.
Tornou-se conhecido em todos os
lugarejos, vilas e distritos; foi solidário nas dificuldades,
concedendo crédito sem vantagens a todos os trabalhadores que
enfrentavam dificuldades pelo flagelo das secas; não tinha inimigos
nem desafetos.
Contribuiu significativamente para a
manutenção da Escola e construção da Capela rural que exerceriam
grande influência na formação moral e cívica da nova geração.
Vivendo na simplicidade, não
ambicionou acumular riquezas; teve perdas, mas não se dobrou diante
das dificuldades; foi humilde, sem subserviência.
Na década de 50 deixou a área
rural e mudou-se para a capital com o objetivo de apoiar a
continuidade dos estudos dos filhos. Deu exemplos de paciência,
perseverança, persistência e honestidade.
Despediu-se da vida terrena em 08 de
maio de 2007; 22 dias depois a sua fiel e dedicada esposa o
acompanhou na grande jornada. Não deixaram fortuna material;
deixaram o tesouro dos seus exemplos de dedicação à família, bem
educada, que lhe será sempre grata pela inalienável herança.
João Pessoa, PB 06 de Novembro de
2014
José Geraldo da Silva
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